O Naufrágio de Dominique: O maior naufrágio da história de Codajás, no Amazonas

Na madrugada do dia 14 de fevereiro de 1980, uma tragédia marcou para sempre a história do Rio Solimões e da cidade de Codajás, no Amazonas. O barco motor “Dominique” naufragou subitamente na localidade conhecida como “Rebojo do Botafogo”, deixando um saldo devastador: dos 60 ocupantes, 30 desapareceram, a maioria crianças, enquanto outros 30 conseguiram sobreviver.
Em apenas cinco a dez minutos, o barco desapareceu nas águas turbulentas do rio, sem dar tempo para que muitos dos passageiros, especialmente aqueles que dormiam nos camarotes, esboçassem qualquer tentativa de salvação.
A tragédia rapidamente chegou à capital amazonense. Logo nas primeiras horas da manhã, telefonemas das autoridades de Codajás informavam o ocorrido, e a notícia foi amplamente divulgada pelas emissoras de rádio locais. A Capitania dos Portos, que havia testemunhado a saída do “Dominique” do porto de Manaus na noite anterior, mobilizou uma operação de resgate. Homens-rã da Polícia Militar e oficiais das Forças Armadas foram enviados à região para prestar assistência aos sobreviventes e buscar as vítimas.
A Viagem e o Acidente
De acordo com o Jornal do Commercio, que cobriu o caso, o comandante Antônio Carlos Martins Sepúlveda conduzia o “Dominique” com um número de passageiros abaixo da capacidade de lotação no momento do acidente. Ao deixar Manaus, o barco transportava 19 passageiros, mas, em seu trajeto rumo a Tabatinga, foi recebendo novos ocupantes nas paradas ao longo do Rio Solimões. Segundo Sepúlveda, o “Dominique” era um dos barcos mais conhecidos e respeitados pelos viajantes e ribeirinhos da região, cumprindo rigorosamente as normas da Capitania dos Portos.
Os depoimentos dos sobreviventes revelaram que, exceto por alguns tripulantes e cerca de cinco passageiros que ainda conversavam, todos dormiam quando o acidente ocorreu. Um grande estrondo acordou os ocupantes do barco, mas antes que a tripulação pudesse identificar a causa do problema, a embarcação já estava afundando. O tempo de reação foi extremamente curto, e muitos passageiros não conseguiram acessar os coletes salva-vidas. Aqueles que tentaram salvar familiares, especialmente mães com crianças, sucumbiram junto a eles.
O barco afundou completamente em menos de dez minutos. Passageiros que viajavam nos camarotes, presos e isolados, tiveram pouquíssima chance de sobrevivência. Já aqueles que estavam nas redes foram lançados às águas quando o toldo da embarcação se rompeu devido ao impacto.
Na escuridão da noite chuvosa, os sobreviventes enfrentaram uma luta desesperadora contra a correnteza, o rebojo e o temporal. Alguns conseguiram alcançar as margens, mas a maioria desapareceu nas profundezas do rio. Na edição do dia seguinte, o Jornal do Commercio destacou: “Trinta passageiros chegaram às margens. O resto, só Deus sabe, talvez estejam mortos no fundo do rio ou ainda flutuando rio abaixo, amparados pelos salva-vidas ou às margens do Solimões à espera de socorro.”
Esforços de Resgate
Assim que a notícia do naufrágio chegou a Manaus, uma grande mobilização foi iniciada. A Capitania dos Portos enviou equipes de resgate e prestou assistência médica aos sobreviventes. Homens-anfíbio da Polícia Militar foram encarregados de buscar os corpos no fundo do Solimões. Uma embarcação cedida pelo empresário Waldemiro Lustosa levou oficiais da Capitania ao local para investigar as causas do acidente.
Barcos de comerciantes locais, da Prefeitura de Codajás e de cidades vizinhas, como Anori, também foram mobilizados para auxiliar nas buscas. Apesar dos esforços, a localização de sobreviventes e vítimas foi dificultada pelas condições climáticas e pela forte correnteza do rio.
Codajás e Manaus em Luto
Em Codajás, as dificuldades de comunicação e acesso agravaram a situação. A cidade não possuía aeroporto ou campo de pouso adequado, e as informações chegavam de forma limitada por meio da Telemazon. Mesmo assim, os moradores locais se uniram para ajudar nas buscas e prestar apoio às famílias afetadas.
Em Manaus, o clima era de comoção e angústia. Familiares das vítimas lotaram a Capitania dos Portos em busca de informações. Entre os que vivenciaram a dor da perda estava Cláudio dos Santos Leite, que perdeu sua mãe, Nazaré Gomes dos Santos, de 48 anos, e seu irmão, Raimundo Gomes dos Santos, de apenas 8 anos. Em entrevista ao Jornal do Commercio, Cláudio lamentou: “Era a primeira vez que mamãe vinha a Manaus, e não sei como é que foi acontecer um negócio desse ruim na volta.”
LISTA DE PASSAGEIROS DESAPARECIDOS DO DOMINIQUE:
01 – Roberta Ferreira do Nascimento (8 anos);
02 – Nazaré Mendes do Santos (adulta);
03 – Alberto Marinho (9 meses);
04 – Alzenira R Silva (24 anos);
05 – Sebastianaa R Silva (5 anos);
06 – Cristine R Silva (1 ano);
07 – Aldalgiso Ribeiro Moreira (31 anos);
08 – José Mustafá Filho (44 anos);
09 – Júlio Mustafá (9 anos);
10 – Francisco Cavalcante Mustafa (5 anos);
11 – Aldileia Ramos da Silva (18 anos);
12 – Nizia Amântcio (10 anos);
13 – Alamarina Costa Soares (21 anos);
14 – Iris Costa Soares (2 anos);
15 – Rita Costa Soares (1 ano);
16 – Rosálio Rivero (47 anos);
17 – Maria Lenice Rivero (37 anos);
18 – Rosária Lenice Lopes (6 anos);
19 – Rosalvino Lenice Lopes (10 anos);
20 – Marineiza Nascimento (idade desconhecida), estava acompanhada de duas crianças de colo de idade e nomes desconhecidos);
21 – Nete Queiroz (15 anos);
22 – Raimundo Alves Queiroz (45 anos);
23 – Valdo Alves Queiroz (12 anos)
24 – Rute Mafra (idade desconhecida);
25 – Maria Mafra (15 anos);
26 – Cândida Nazário Moraes (idade desconhecida);
27 – Maria da Glória Moraes (idade desconhecida);
28 – Verneck Rodrigues (52 anos).
28 – Tasila Lisboa
29 – Cosma Lisboa
30 – Áureo Jr
Lista atualizada após contato da Sra Tasila, que leva o nome em homenagem à sua avó, Tasila Lisboa, vítima do acidente juntamente com sua filha Cosma e seu neto Áureo.
O REBOJO DO BOTAFOGO HOJE:
Atualmente, a natureza se encarregou de acalmar o Botafogo, ele já não ferve mais, a dinâmica do Rio Solimões cuidou de construir no lugar novas paisagens – uma ilha e uma praia –, mas quando tudo se acalmou, o caboclo cuidou de encontrar a explicação para a bondade da mãe natureza que poupou as vidas futuras alguns diziam: “A natureza criou aquele rebojal do Botafogo, mas viu que estava dando prejuízo e sofrimento, aí resolveu criar ali uma paia pra conter”.
O naufrágio do “Dominique” tornou-se um lembrete doloroso dos riscos enfrentados pelas populações ribeirinhas e pela falta de infraestrutura adequada na região amazônica.
Apesar dos avanços, muitas comunidades ainda convivem com condições similares às de 1980, tornando essencial a busca por soluções que garantam maior segurança e assistência a essas populações.

*Com informações dos jornais da época.